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A cidade corre risco de afundar aos poucos — e a culpa é da exploração de sal

Escrito por Valdemar Medeiros
Publicado em 18/05/2025 às 11:55
A cidade corre risco de afundar aos poucos — e a culpa é da exploração de sal
Foto: IA
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Em Mossoró (RN), a exploração de sal-gema forma cavernas subterrâneas que podem provocar um colapso semelhante ao de Maceió. Especialistas já apontam risco geológico iminente na região.

No silêncio do sertão potiguar, uma ameaça subterrânea preocupa geólogos e ambientalistas. Mossoró, cidade com mais de 300 mil habitantes no Rio Grande do Norte, pode enfrentar um colapso urbano de grandes proporções nos próximos anos. O motivo? A presença de cavidades subterrâneas formadas pela exploração de sal-gema, o mesmo tipo de atividade que causou o afundamento de cinco bairros inteiros em Maceió (AL).

Embora ainda sem evacuações em curso, pesquisas apontam riscos geológicos reais associados a décadas de mineração intensa, especialmente nos entornos de áreas urbanas onde a presença de sal no subsolo é dominante.

Sal-gema: o que é e por que ele é perigoso

O sal-gema é o nome dado ao cloreto de sódio (NaCl) mineralizado presente em grandes camadas do subsolo. Ele é amplamente utilizado nas indústrias química e petroquímica, especialmente na fabricação de soda cáustica, PVC, detergentes, sabões e cloro.

Para extraí-lo, as empresas injetam água no subsolo para dissolver o sal e depois bombeiam essa solução salina para a superfície — um processo conhecido como lavra por dissolução. O problema é que, ao longo do tempo, essas cavidades podem ceder, provocando afundamentos e colapsos do solo.

Mossoró e o sal: uma história profunda

Mossoró é, historicamente, o maior polo produtor de sal do Brasil. A cidade concentra tanto a produção de sal marinho (extraído por evaporação) quanto a extração subterrânea de sal-gema. Segundo dados da ANM (Agência Nacional de Mineração), mais de 40% do sal-gema extraído no país vem da Bacia Potiguar, onde Mossoró está localizada.

E é justamente sob a cidade e seus arredores que se encontra uma vasta formação geológica de sal, com espessuras que chegam a ultrapassar 200 metros de profundidade.

O que dizem os estudos sobre risco de afundamento

Laboratório de Geomecânica da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) vem estudando o tema há anos. Em 2023, um artigo técnico publicado na revista Geociências indicou que algumas áreas próximas aos bairros periféricos de Mossoró apresentam subsidência do solo — ou seja, afundamento gradual.

Segundo o professor Francisco Torres, geólogo da UFRN:

“Há padrões geomorfológicos e variações altimétricas que indicam rebaixamento em zonas de exploração antiga. Isso precisa ser monitorado em tempo real, para evitar tragédias como a de Maceió.”

Maceió como exemplo do que pode acontecer

Em Maceió, a extração de sal-gema pela Braskem gerou um colapso urbano sem precedentes. Bairros inteiros como Pinheiro, Mutange e Bebedouro foram evacuados após estudos apontarem risco iminente de desabamento.

Cerca de 60 mil pessoas foram removidas, e os custos de indenização ultrapassaram R$ 13 bilhões. O caso virou modelo de alerta mundial sobre mineração urbana.

Em Mossoró, o processo técnico é semelhante. A diferença é que, por enquanto, os sinais estão sendo detectados com antecedência — o que torna a ação preventiva ainda possível.

Áreas de risco: onde está o perigo em Mossoró?

De acordo com o Plano Diretor de Mossoró, áreas nas zonas sul e oeste da cidade estão sobrepostas a antigas frentes de lavra de sal-gema. Bairros como:

  • Belo Horizonte
  • Alto do Sumaré
  • Santa Delmira
  • Vingt Rosado

…estão no radar dos pesquisadores.

Além disso, há registros de poços abandonados, sem vedação adequada, o que agrava a vulnerabilidade do subsolo.

“É como uma esponja subterrânea que pode colapsar se houver aumento da pressão sobre o terreno”, resume o geotécnico Mateus Lima, consultor da Defesa Civil.

Embora a ANM exija relatórios periódicos das empresas exploradoras, fiscalizações em campo são escassas. Segundo relatório do TCU (Tribunal de Contas da União), menos de 30% das áreas de lavra de sal-gema no país foram vistoriadas nos últimos 10 anos.

Em Mossoró, a última inspeção geotécnica oficial ocorreu em 2017. Desde então, as atividades de extração continuaram, e nenhuma rede pública de sensores foi instalada para monitoramento contínuo.

O papel das empresas mineradoras

As principais empresas atuantes na região — como a Salina Diamante Branco e a Salinas do Nordeste — declaram operar dentro dos limites técnicos da segurança, com reforço estrutural das cavidades.

Entretanto, os dados reais sobre profundidade, volume extraído e estabilização das galerias não são de acesso público, o que impede o acompanhamento independente por universidades ou órgãos ambientais.

“A transparência é quase nula. Sem dados, não há prevenção”, critica a pesquisadora Isabel Nogueira, da ONG Sal Vive.

O que a Prefeitura diz sobre o risco?

Em nota oficial enviada ao portal G1 RN, a Prefeitura de Mossoró declarou:

“Não há indícios de colapso iminente, mas o tema será tratado no próximo plano municipal de gestão ambiental. Estudos serão contratados para avaliação detalhada.”

Enquanto isso, moradores de bairros afetados reclamam da falta de comunicação e de um plano de evacuação, mesmo que preventivo.

Especialistas apontam que, para evitar que Mossoró se torne uma nova Maceió, é preciso:

  • Implantar uma rede de sensores de subsidência em tempo real;
  • Tornar público o mapeamento completo das cavernas de sal sob a cidade;
  • Suspender lavras ativas em áreas urbanas densas;
  • Criar um plano de emergência com rotas de evacuação e simulados;
  • Indenizar famílias que vivem sobre áreas de risco comprovado.

O custo é elevado, mas muito menor que o da tragédia anunciada, como mostra o exemplo alagoano.

A população teme, mas não sabe

Uma das principais dificuldades enfrentadas por pesquisadores é a falta de informação da população local. Em bairros como Santa Delmira e Sumaré, muitos moradores não sabem que vivem sobre sal-gema.

“Ninguém nos contou isso. Se não fossem essas reportagens, eu nunca imaginaria que o chão da minha casa pudesse ceder”, disse a doméstica Luciana Moura, moradora há 12 anos.

Mossoró prosperou graças ao sal. Ele gerou empregos, atraiu indústrias e consolidou a cidade como potência mineral do Nordeste. Mas agora, o que foi riqueza pode se transformar em passivo.

Cavernas ocultas, galerias desativadas e poços antigos abandonados formam um cenário explosivo sob os pés de milhares de pessoas.

A pergunta que fica é: o poder público vai agir antes que seja tarde?

O risco de afundamento em Mossoró não é ficção científica. Ele está documentado em estudos técnicos, confirmado por experiências semelhantes e visível em pequenas rachaduras, desníveis e subsidências.

A cidade tem a oportunidade de agir com antecedência, evitar mortes, prejuízos bilionários e o deslocamento forçado de milhares de pessoas.

Mas isso só será possível se as cavernas de sal deixarem de ser um segredo — e virarem prioridade pública.

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Valdemar Medeiros

Formado em Jornalismo e Marketing, é autor de mais de 20 mil artigos que já alcançaram milhões de leitores no Brasil e no exterior. Já escreveu para marcas e veículos como 99, Natura, O Boticário, CPG – Click Petróleo e Gás, Agência Raccon e outros. Especialista em Indústria Automotiva, Tecnologia, Carreiras (empregabilidade e cursos), Economia e outros temas. Contato e sugestões de pauta: valdemarmedeiros4@gmail.com. Não aceitamos currículos!

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