China lança plano de 10 anos para um mundo multipolar e cria Banco da OCX inspirado nos Brics, fortalecendo alianças contra tarifas dos EUA e ampliando cooperação global.
A China reforçou nesta semana seu papel como potência global ao anunciar, durante a Cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), um plano de desenvolvimento com duração de dez anos voltado para a construção de um mundo multipolar. A conferência foi realizada em Tianjin, cidade portuária no norte do país, e reuniu chefes de Estado e chanceleres de mais de vinte nações.
O documento final detalha diretrizes que miram reduzir a dependência de organismos tradicionais liderados por países ocidentais, como o FMI e o Banco Mundial, e ampliar a cooperação em áreas estratégicas como energia, comércio, inovação tecnológica e segurança regional. Segundo o ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, a iniciativa busca “um equilíbrio de forças mais justo, onde nenhuma potência imponha unilateralmente suas regras aos demais”.
Banco da OCX: alternativa ao modelo financeiro ocidental
Entre as medidas aprovadas, a mais simbólica foi a criação do Banco de Desenvolvimento da OCX, uma instituição multilateral destinada a financiar projetos de infraestrutura, digitalização, indústria verde e integração energética entre os países-membros.
-
Brasil amplia domínio na soja e provoca reação nos EUA: produtores americanos afirmam que soja brasileira está tomando mercados tradicionais dos Estados Unidos e acusam uso de preços imbatíveis
-
Celac expõe racha: maioria dos países latino-americanos critica navios dos EUA no Caribe, enquanto outros, incluindo a Argentina, rejeitam nota
-
Exportações bilionárias de couro e calçados brasileiros entram em risco: União Europeia discute novas regras ambientais que podem travar acesso ao maior mercado do mundo
-
Coreia do Sul flagra estruturas flutuantes estranhas no rico mar disputado com a China — Pequim não esconde, mas Seul teme outra coisa
O novo banco segue o modelo do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o Banco dos Brics, criado em 2014 e atualmente presidido pela ex-presidente brasileira Dilma Rousseff. O paralelo é inevitável: assim como o NDB ampliou a margem de negociação financeira para países emergentes, o Banco da OCX pretende oferecer crédito e linhas de financiamento sem as condicionalidades duras impostas por Washington ou Bruxelas.
Essa movimentação evidencia a estratégia chinesa de desenhar uma arquitetura paralela de poder, ancorada não apenas no comércio, mas também em instituições financeiras que consolidem a independência do bloco euroasiático.
Expansão da OCX e novas estruturas
Durante a cúpula, os líderes aprovaram uma reformulação institucional importante. As antigas categorias de “país observador” e “parceiro de diálogo” foram fundidas em um único status: Parceiro da OCX. Com a entrada do Laos, a organização passa a somar 27 países, tornando-se um dos maiores fóruns multilaterais ativos.
Foram criados também quatro centros de segurança e seis plataformas de cooperação prática, voltadas para áreas como inteligência artificial, economia digital, indústria verde e inovação científica. Esses núcleos devem atuar como pontos de convergência entre governos, empresas e universidades.
Contexto de tensões comerciais
O anúncio ocorre em meio a um cenário de tensões crescentes entre Estados Unidos e vários de seus parceiros comerciais. Recentemente, o governo de Donald Trump aprovou sobretaxas de 50% sobre produtos brasileiros, afetando diretamente exportadores de commodities agrícolas e industriais.
A medida provocou protestos do governo brasileiro, que acionou a Organização Mundial do Comércio (OMC). Washington aceitou abrir consultas com Brasília em agosto, mas até o momento não há sinais de flexibilização da tarifa.
A OCX, em sua declaração final, defendeu a preservação das regras multilaterais da OMC e condenou “ações unilaterais que distorcem o comércio internacional”. O posicionamento ecoa o discurso chinês de que os Estados Unidos estariam minando a estabilidade econômica global ao adotar medidas protecionistas e isolacionistas.
De fórum de segurança a polo econômico
Criada no início dos anos 2000, a Organização de Cooperação de Xangai tinha como missão inicial a coordenação em temas de segurança regional, especialmente no combate ao terrorismo e ao tráfico transnacional. Com o tempo, a pauta econômica ganhou cada vez mais peso, refletindo a ascensão da China como potência exportadora e investidora global.
Hoje, a OCX reúne países que respondem por boa parte da população mundial e por uma fatia relevante do comércio global. A transformação em fórum também voltado para o desenvolvimento econômico reforça a tentativa de se posicionar como alternativa ao eixo tradicional representado pela União Europeia, Estados Unidos e Japão.
Impactos para o Brasil
Embora o Brasil não faça parte da OCX, a conexão com os Brics e a criação de instituições semelhantes ao NDB podem abrir novas portas. Ao se alinhar a iniciativas como essa, o país fortalece sua posição em um mundo multipolar, no qual múltiplos polos de poder disputam espaço e influência.
Especialistas avaliam que, em um cenário de tarifas elevadas impostas pelos EUA, a aproximação com a OCX pode gerar oportunidades comerciais e financeiras. Investimentos em infraestrutura e parcerias no setor energético, por exemplo, podem ser estimulados pela atuação do novo banco.
Setores estratégicos do plano decenal
O plano de dez anos aprovado em Tianjin não se limita à questão financeira. Ele inclui metas em quatro áreas consideradas cruciais:
- Energia: incentivo a projetos conjuntos de exploração de petróleo, gás natural e energias renováveis
- Indústria verde: financiamento de iniciativas que reduzam emissões e modernizem a produção industrial
- Economia digital: estímulo à integração de mercados por meio de plataformas digitais e comércio eletrônico
- Inteligência artificial e tecnologia: cooperação em pesquisa, inovação e desenvolvimento de soluções em IA
Essas prioridades estão alinhadas ao esforço chinês de liderar a transição tecnológica global, reduzindo sua dependência de mercados ocidentais e promovendo padrões próprios.
Caminho para a multipolaridade
O encontro de Tianjin marca um passo decisivo na tentativa da China de consolidar sua visão de um mundo multipolar, no qual potências emergentes compartilhem poder e influência de forma mais equilibrada.
Ainda que os resultados práticos dependam da execução dos projetos e da coesão entre os membros da OCX, o anúncio de um plano decenal e a criação de um banco próprio sinalizam que a estratégia chinesa é de longo prazo.
Para os Estados Unidos, a mensagem é clara: a China não está apenas reagindo às tarifas e pressões, mas desenhando alternativas institucionais e financeiras capazes de desafiar a ordem global existente.