China amplia empréstimos em yuan para obras na África, reduz espaço do dólar e transforma o continente em laboratório da desdolarização global.
Enquanto o mundo discute o futuro do “petrodólar”, a força das sanções ocidentais e até o impacto das criptomoedas, um movimento silencioso vem acontecendo na África e merece atenção redobrada. A China, maior credora global dos países em desenvolvimento, vem ampliando o uso de sua própria moeda, o yuan, como forma de financiamento para obras de infraestrutura no continente africano. Ferrovias, portos, usinas e rodovias estão sendo erguidos não com dólares americanos, mas com empréstimos em moeda chinesa, num processo que expõe o enfraquecimento gradual do dólar em regiões estratégicas e pode redefinir o equilíbrio financeiro internacional.
O avanço do yuan nos empréstimos chineses à África
De acordo com relatórios do China Africa Research Initiative (CARI), da Universidade Johns Hopkins, a China já emprestou mais de US$ 150 bilhões para países africanos desde 2000.
Até poucos anos atrás, a esmagadora maioria desses contratos era firmada em dólares. Mas essa realidade está mudando.
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Bancos chineses e o Banco de Desenvolvimento da China passaram a oferecer cada vez mais linhas de crédito diretamente em yuan, com taxas de juros atreladas a Pequim.
Projetos de peso, como a ferrovia Etiópia-Djibuti, a hidrelétrica de Caculo Cabaça em Angola e expansões portuárias no Quênia e na Tanzânia, passaram a contar com empréstimos em moeda chinesa.
O mesmo ocorre em países como Nigéria, Zâmbia e Gana, onde governos endividados encontram no yuan uma alternativa ao crédito ocidental, muitas vezes condicionado a ajustes impostos por instituições como o FMI e o Banco Mundial.
O “Belt and Road” como motor da estratégia
Esse avanço não é isolado. Ele faz parte da iniciativa Belt and Road (Nova Rota da Seda), lançada em 2013 pelo governo chinês, que busca integrar Ásia, África e América Latina por meio de obras de infraestrutura e corredores logísticos.
Oficialmente, a estratégia é apresentada como cooperação para o desenvolvimento. Na prática, ela cria dependência financeira e fortalece a posição do yuan como moeda internacional de liquidação.
Pequim tem incentivado bancos e empresas a negociar em sua moeda, reduzindo custos de conversão cambial e, sobretudo, diminuindo o risco de sanções e bloqueios financeiros. Para países africanos, o acesso ao yuan abre portas em um momento de endividamento crescente e baixa liquidez em dólar.
Para a China, significa consolidar influência geopolítica em uma região estratégica, rica em petróleo, gás e minerais essenciais à transição energética global, como lítio e cobalto.
O enfraquecimento silencioso do dólar
O impacto desse processo vai além da África. O dólar, que sempre foi a moeda padrão do comércio internacional, perde espaço quando contratos bilionários deixam de ser firmados em sua denominação. Ainda que o volume global em yuan represente apenas cerca de 5% das transações internacionais, a tendência é clara: em setores estratégicos e em países sob forte presença chinesa, a moeda de Pequim começa a ocupar o espaço antes reservado ao dólar.
Um exemplo simbólico foi a recente negociação entre China e Nigéria, em que parte dos financiamentos foi liquidada em yuan. Outro caso foi a decisão do Banco Central de Angola de incluir o yuan em suas reservas oficiais, ao lado do dólar e do euro. Essas mudanças podem parecer pequenas, mas acumuladas ao longo dos anos sinalizam uma reconfiguração monetária em escala global.
África como campo de teste da desdolarização
Analistas veem a África como um verdadeiro laboratório da desdolarização. Ao contrário de Europa e Estados Unidos, onde o dólar segue dominante, e da Ásia, onde há resistência por parte de economias fortes como Japão e Índia, o continente africano oferece um ambiente propício para a penetração do yuan. Governos com necessidade urgente de financiamento, pouca capacidade de negociação com instituições tradicionais e uma relação cada vez mais estreita com a China tornam a região ideal para testar o poder de sua moeda.
Se os empréstimos em yuan se consolidarem como padrão, será um passo decisivo para a internacionalização da moeda chinesa. Além disso, cria uma rede de países que passam a depender mais de Pequim do que de Washington para manter suas economias de pé, deslocando o eixo de influência financeira.
Reação dos EUA e do Ocidente
Os Estados Unidos e instituições ocidentais acompanham com preocupação essa expansão. A redução da presença do dólar enfraquece sua capacidade de aplicar sanções e controlar fluxos financeiros globais. Além disso, o endividamento em yuan pode criar um “círculo de dependência” no qual países africanos fiquem presos a Pequim, com risco de entregar ativos estratégicos caso não consigam honrar os pagamentos.
Um exemplo foi o caso da Zâmbia, que entrou em colapso financeiro e precisou renegociar dívidas com credores chineses. A situação acendeu o alerta no FMI, que acusa Pequim de praticar a chamada “diplomacia da armadilha da dívida”. A China, por sua vez, nega a acusação e afirma que seu objetivo é fortalecer laços de cooperação Sul-Sul.
O BRICS como vitrine global
A expansão do yuan na África também dialoga com a agenda do BRICS. Ao mostrar que sua moeda pode financiar grandes obras fora de suas fronteiras, Pequim fortalece o discurso de que o bloco pode construir alternativas ao sistema financeiro dominado pelo Ocidente. Países africanos, como Egito, Etiópia e África do Sul, já fazem parte do BRICS, o que cria um ambiente favorável para a adoção do yuan em projetos financiados pelo Novo Banco de Desenvolvimento (NDB).
A estratégia é clara: consolidar o yuan como moeda de financiamento e comércio entre os países em desenvolvimento, reduzindo a centralidade do dólar e aproximando economias emergentes em torno da China.
Um futuro multipolar no sistema financeiro
O processo ainda está em fase de consolidação e enfrenta desafios. O yuan não tem a mesma liquidez global do dólar, e a falta de transparência nas políticas cambiais da China gera desconfiança. Ainda assim, o movimento já é irreversível: contratos e obras de infraestrutura estão sendo assinados, e o dólar está ficando de fora.
Se essa tendência se espalhar para a América Latina e o Oriente Médio, o impacto pode ser ainda maior. No limite, o mundo caminha para um sistema financeiro multipolar, em que o dólar continuará relevante, mas já não será absoluto. Nesse cenário, a África terá sido o primeiro campo de testes bem-sucedido da internacionalização do yuan.