Com taxas recordes de imóvel próprio, a China alcançou cerca de 90% de famílias proprietárias após a virada de 1998, quando a privatização em massa de moradias públicas converteu inquilinos em donos com descontos substanciais, elevou a estabilidade social e criou um colchão patrimonial que ainda molda o consumo e o crédito das cidades chinesas
O avanço do imóvel próprio na China tem uma explicação institucional clara. A reforma habitacional de 1998 encerrou a distribuição de moradias por estatais e abriu caminho para vendas subsidiadas de apartamentos que estavam ocupados havia anos. Em poucos ciclos, milhões de famílias passaram de inquilinas a proprietárias, ampliando a base patrimonial e reduzindo tensões urbanas típicas de mercados onde alugar é a regra.
Conforme o especialsita William Guey, os números dão a dimensão do fenômeno. Estimativas citadas indicam aproximadamente 90% de famílias proprietárias no agregado nacional, com cerca de 85% nas áreas urbanas e 94,6% nas rurais, além de média de 1,22 moradia por família urbana. Para comparação, patamares usuais ficam perto de 60% no mundo, com Estados Unidos em torno de 65% e Alemanha por volta de 50%. O resultado chinês é, portanto, fora da curva. Esse desenho apoia o direito de uso e reforça a estabilidade social.
Como a reforma de 1998 mudou a base do mercado
A transição começou quando empresas e órgãos públicos deixaram de prover moradia direta e o estoque foi vendido aos ocupantes com forte desconto.
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A política destravou propriedade privada em larga escala, transferindo patrimônio a famílias que já residiam nos imóveis e criando incentivos à manutenção e à valorização de longo prazo.
Esse choque de titularidade teve efeito cascata. A reforma habitacional redefiniu cadastros e garantias.
Ao converter aluguel em patrimônio, a reforma elevou a capacidade de garantia para crédito, melhorou a percepção de segurança no futuro e induziu investimentos domésticos.
A estabilidade habitacional passou a operar como pilar de paz social e de planejamento familiar.
Imóvel, direito de uso e o prazo de 70 anos
Há uma particularidade que define o desenho chinês. Na China, o Estado mantém a propriedade da terra e concede direitos de uso.
Para residências, a regra geral é um prazo de 70 anos.
O debate sobre renovação ao fim do período ainda não é totalmente transparente, mas práticas locais têm indicado continuidade e regularização ao longo do tempo, conforme diretrizes municipais.
Esse arranjo dá instrumentos ao poder público para modernizar bairros e redesenhar cidades.
Quando há necessidade de realocar moradores, autoridades praticam indenizações frequentemente acima do preço de mercado, o que acelera projetos e reduz contenciosos.
A combinação de direito de uso e compensação ajuda a evitar paralisia urbana sem retirar do cidadão o valor econômico do seu imóvel próprio.
Urbano, rural e a distribuição da propriedade
O contraste entre urbano e rural ajuda a ler a taxa agregada. Nas cidades, cerca de 85% das famílias têm moradia própria, em um ambiente de preços elevados e alta densidade.
No campo, a propriedade beira 94,6%, refletindo tradições de ocupação e construção em terrenos locais ao longo de gerações.
A média de 1,22 unidade por família urbana sugere uma segunda moradia em parte dos domicílios, distribuída entre investimento, apoio a parentes e mobilidade intraurbana.
Esse excedente melhora a resiliência patrimonial, mas impõe desafios de uso eficiente em bairros com vacância e rotação lenta.
Preços, juventude e acesso à primeira compra
A alta titularidade não elimina a pressão de preços nos principais polos.
Em locais como Pequim, muitos jovens relatam dificuldade para adquirir o primeiro apartamento, recorrendo a apoio financeiro de pais e familiares.
O imóvel próprio continua simbolizando status, estabilidade e respeito familiar, o que mantém a procura elevada mesmo em ciclos mais restritivos.
Essa dinâmica reforça um traço cultural. Casamento, planejamento de filhos e prestígio social frequentemente passam pela compra da casa.
Quando os preços sobem, ocorre um deslocamento de demanda para áreas periféricas e cidades satélites, mantendo viva a ambição da propriedade em trajetórias mais longas.
Efeitos macro: estabilidade social e ancoragem patrimonial
A expansão do imóvel próprio reduziu incerteza para famílias e ancorou riqueza imobiliária como parcela relevante do patrimônio.
Com propriedade disseminada, a volatilidade de curto prazo em aluguéis pesa menos no orçamento, e o efeito riqueza sustenta consumo em segmentos duráveis e serviços.
No plano institucional, a casa própria amplia a legitimidade de políticas urbanas, já que proprietários participam mais de decisões de bairro e demandam infraestrutura.
O resultado é um ciclo de estabilidade social, com impactos indiretos sobre produtividade e planejamento de longo prazo.
Comparações internacionais e lições de política pública
Em relação a países com 50% a 65% de proprietários, a China adotou um caminho singular ao privatizar em massa e estruturar o direito de uso.
O desenho é difícil de replicar sem reforma institucional extensa, mas sugere lições: estoques públicos podem ser alavanca quando transformados com critérios sociais, e indenizações adequadas aceleram requalificações urbanas.
Para economias com déficit crônico de moradia, a experiência indica que escala, financiamento e segurança jurídica são condições necessárias para elevar o imóvel próprio sem travar a mobilidade.
O desafio é balancear propriedade e aluguel de qualidade, de forma a manter flexibilidade urbana.
A China construiu, em poucas décadas, uma sociedade de proprietários com taxas próximas de 90%, apoiada na reforma de 1998, no direito de uso de 70 anos e em mecanismos de indenização que viabilizam modernização urbana.
O imóvel próprio tornou-se pilar econômico e simbólico, articulando estabilidade, crédito e coesão social.
Na sua opinião, um modelo com direito de uso por 70 anos e indenizações robustas funcionaria para ampliar o imóvel próprio em outros países ou o caminho deveria priorizar aluguel de qualidade com proteção ao inquilino?



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