Após 70 anos de mistério, cientistas confirmam que é exatamente o resíduo nos jarros de Paestum de 2.500 anos. A prova veio de espectrometria e proteômica, que detectaram frutose, proteínas da geleia real e peptídeos de Apis mellifera.
Em 1954, arqueólogos encontraram, em um santuário subterrâneo de Paestum, no sul da Itália, oito jarros de bronze com um resíduo espesso, amarelado e de cheiro adocicado. Por décadas, análises iniciais não conseguiram confirmar a presença de açúcares, mantendo vivo o debate sobre o que havia dentro desses recipientes.
Setenta anos depois, uma equipe liderada por pesquisadora da Universidade de Oxford encerrou a discussão. O novo estudo demonstrou que o conteúdo corresponde a mel de 2.500 anos, muito provavelmente depositado em forma de favo como oferenda ritual. A identificação se apoia em um conjunto robusto de marcadores químicos e proteicos.
A confirmação não é apenas curiosa. Ela reconstitui um hábito religioso, ilumina práticas da Magna Grécia e mostra como coleções antigas ainda guardam respostas quando revisitadas com instrumentos modernos. A descoberta fortalece a leitura de que o santuário funcionava como um heroon grego, espaço de culto a um herói fundador.
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Essa revelação nos traz o recado é direto, o que antes era um “mistério em jarros” agora é evidência material de um ritual antigo em que o mel desempenhava papel simbólico e prático.
Como a ciência confirmou o mel antigo: espectrometria e proteômica
O avanço veio do uso combinado de espectrometria de massa e análise proteômica, abordagens capazes de enxergar moléculas e proteínas mesmo após milênios. Ao investigar camadas internas do resíduo, os cientistas detectaram hexoses intactas, como frutose, que são açúcares característicos do mel.
Além dos açúcares, a equipe identificou proteínas típicas da geleia real, material nutritivo produzido por abelhas, e peptídeos associados à Apis mellifera. Esse conjunto forma uma assinatura química praticamente idêntica à de mel e cera de abelha atuais, reduzindo drasticamente a margem de dúvida.
As análises comparativas com amostras modernas e simulações de degradação de favo reforçaram o diagnóstico. O que faltava às técnicas das décadas de 1950 e 1980 era sensibilidade para diferenciar compostos degradados de marcadores de mel antigo preservados.
Por que o mel resistiu 25 séculos: o papel do cobre e do ambiente
Um ponto-chave para a conservação foi a interação entre o resíduo e os íons de cobre do bronze. O cobre tem efeito biocida, dificultando a ação de microrganismos que normalmente degradariam açúcares e proteínas ao longo do tempo.
Essa barreira química retardou reações de decomposição e ajudou a preservar marcadores de mel, algo raríssimo para matérias orgânicas em ambientes arqueológicos. Em paralelo, o contexto do depósito, com pouca circulação de ar e condições estáveis, colaborou para limitar a oxidação.
O resultado é um retrato químico legível após 25 séculos, no qual açúcares, lipídeos e proteínas ainda podem ser rastreados. A combinação de material do recipiente, ambiente e composição do conteúdo criou uma cápsula de informações.
Para a arqueologia, o caso demonstra por que recipientes metálicos, como os jarros de bronze de Paestum, às vezes guardam melhor certos vestígios orgânicos do que potes cerâmicos mais porosos.
O que isso diz sobre rituais gregos e o heroon de Paestum
Os jarros estavam em um heroon, santuário ligado a um herói fundador, possivelmente Is de Helice, associado à tradição de Síbaris. Após a destruição de Síbaris, colonos gregos estabeleceram Poseidonia, mais tarde chamada de Paestum pelos romanos, mantendo práticas ritualísticas herdadas.
Na cultura grega, o mel era associado a pureza, imortalidade e à nutrição dos deuses, aparecendo em libações e oferendas. Encontrar favos depositados em um espaço de culto faz sentido dentro desse repertório simbólico, conectando substância, lugar e crença.
A descoberta fornece uma âncora material para interpretações históricas, substituindo hipóteses generalistas por evidência direta. Ela ajuda a diferenciar usos cotidianos de usos rituais e a mapear o significado do mel em contextos de culto heroico.
Com isso, práticas da Magna Grécia deixam de ser apenas inferidas em textos e passam a ser identificadas em traços químicos preservados, elevando o nível de precisão das narrativas sobre a região.
Por que a descoberta importa hoje
O estudo mostra o potencial de reanalisar coleções antigas com tecnologias de ponta. Muitos acervos guardam amostras difíceis de testar no passado e que, agora, podem revelar biomarcadores decisivos para fechar lacunas históricas.
A metodologia integrada de química analítica, proteômica e arqueologia abre caminho para reexaminar recipientes com resíduos enigmáticos em museus do mundo todo. Cada peça pode conter um arquivo molecular pronto para ser lido com o instrumental correto.
Em termos práticos, a lição é clara, conservar bem, amostrar com critério e aplicar métodos complementares tende a render descobertas com alto grau de certeza. No caso de Paestum, isso significou transformar um palpite persistente em confirmação científica de mel de 2.500 anos.