Uso de painéis solares em áreas rurais cresce no mundo e traz benefícios econômicos, ambientais e energéticos, mesmo diante de cortes em tarifas na Califórnia.
O uso de energia solar em áreas agrícolas vem se tornando uma prática cada vez mais comum no mundo inteiro. Com a queda no custo das tecnologias de energia renovável e o agravamento da escassez de água em regiões produtivas, muitos agricultores têm reconfigurado suas propriedades para gerar eletricidade com painéis solares, colhendo não apenas alimentos, mas também luz do sol.
Na Califórnia, um estudo recente revelou que a prática tem sido altamente lucrativa para os produtores do Vale Central nas últimas duas décadas. Em média, a instalação de energia solar proporcionou aos agricultores uma receita anual de US$ 124 mil por hectare, valor 25 vezes superior ao rendimento com cultivo tradicional em terras ociosas.
Terras de cultivo viram fonte de energia solar
O Vale Central da Califórnia é uma das regiões agrícolas mais produtivas dos Estados Unidos. Responsável por um terço das frutas e hortaliças do país, ocupa apenas 1% da área agrícola nacional. No entanto, a alta produtividade vem acompanhada de desafios severos, como o uso excessivo de água subterrânea e os períodos prolongados de seca.
Para contornar essas dificuldades, muitos agricultores passaram a utilizar partes de suas terras para a geração de energia solar. As placas são instaladas em áreas de pousio ou em trechos onde o cultivo se tornou inviável devido à escassez de recursos hídricos.
A energia gerada é utilizada diretamente nas propriedades, abastecendo sistemas de irrigação e outras atividades. O excedente é direcionado à rede elétrica, garantindo renda adicional aos produtores.
Agricultura e energia renovável no mesmo espaço
Além de gerar energia, muitos agricultores estão adotando práticas integradas, conhecidas como agrossolar, onde culturas específicas são plantadas sob os painéis solares. Essa combinação é especialmente útil para hortaliças sensíveis ao excesso de sol, como folhas verdes e frutas vermelhas.
A sombra proporcionada pelos painéis reduz a evaporação da água no solo, permitindo menos irrigação. Em contrapartida, o microclima criado ajuda a resfriar os painéis, aumentando sua eficiência energética.
Outros produtores estão transformando as áreas sombreadas em pastagens. O gado solto sob os painéis fertiliza naturalmente o solo, incentivando o crescimento da vegetação e favorecendo polinizadores nativos.
Segundo Ryan Romack, fundador da AgriSolar Ranch, a vegetação sob os painéis tende a ser mais verde e saudável. “Especialmente onde as ovelhas pastam há mais tempo, é visível o ganho em qualidade do solo”, afirma.
Desafios com novas regulamentações
Apesar do sucesso da integração entre energia solar e agricultura, a rentabilidade da prática enfrenta novos entraves. Recentemente, a Califórnia reduziu em média 75% das tarifas pagas pela eletricidade gerada e enviada à rede por produtores rurais.
A mudança desestimulou parte dos agricultores que planejavam investir em novos sistemas fotovoltaicos. Segundo Karen Norene Mills, vice-presidente do California Farm Bureau, “a matemática que antes justificava o investimento agora não fecha mais.”
Mesmo assim, muitos especialistas acreditam que a produção de alimentos e a geração de energia não precisam ser excludentes. A energia solar pode ser incorporada ao sistema produtivo sem eliminar completamente a função agrícola da terra.
Riscos e ajustes no uso da terra
O estudo também revelou que, ao transformar áreas produtivas em campos de energia solar, o Vale Central perdeu uma quantidade de alimentos equivalente a 86 mil pessoas por ano em calorias. No entanto, os pesquisadores apontam que os mercados se ajustam com o tempo, à medida que outras regiões passam a suprir essa demanda alimentar.
A expectativa é de que, ao fim da vida útil dos painéis — geralmente entre 25 e 30 anos —, o solo esteja mais rico em nutrientes, pronto para ser reutilizado na agricultura. Mesmo em áreas que permanecerem em pousio, o ecossistema tende a se recuperar e fornecer benefícios a longo prazo.
Jake Stid, cientista da Universidade Estadual de Michigan e principal autor do estudo, afirma que a energia solar pode ser gerida de forma a beneficiar simultaneamente o planeta, os produtores e os ecossistemas.
Energia, água e clima: uma equação rural
O avanço da energia renovável no campo está diretamente ligado à busca por soluções diante das mudanças climáticas e da pressão sobre os recursos hídricos. O uso de painéis solares oferece uma alternativa sustentável em regiões onde o solo já não rende como antes, e a água se tornou um bem escasso.
No contexto atual, agricultores enfrentam a necessidade de reduzir o uso de águas subterrâneas e, ao mesmo tempo, manter sua produção e renda. Com a geração de energia solar, é possível operar equipamentos como bombas d’água com menor custo e vender eletricidade para reforçar o orçamento da propriedade.
Para muitos produtores, converter até mesmo uma pequena parte de sua terra para gerar energia já é suficiente para equilibrar financeiramente o restante da operação agrícola.
Brasil e o potencial rural para energia solar
Embora o estudo tenha sido conduzido nos Estados Unidos, as conclusões também interessam ao setor agrícola brasileiro. O país possui ampla disponibilidade solar e vastas áreas rurais que poderiam adotar soluções semelhantes.
Programas de incentivo à geração distribuída e a regulamentação de microgeradores já estão em vigor, mas o desafio é ampliar o acesso ao crédito e reduzir a burocracia para que agricultores de diferentes portes possam participar dessa transição.
O uso combinado de energia solar, pastagem rotacionada, preservação ambiental e cultivo sob sombra pode ser um modelo a ser replicado em diversas regiões brasileiras, contribuindo para a segurança energética e hídrica do campo.
Energia solar como nova cultura agrícola
A geração de energia solar já não é apenas uma questão tecnológica ou ambiental. Ela se tornou parte da estratégia de negócios de agricultores que desejam manter suas atividades em um cenário de mudanças climáticas, pressão sobre recursos naturais e oscilações de mercado.
Para muitos deles, a luz do sol passou a ser uma commodity valiosa, colhida por meio de painéis e convertida em eletricidade, renda e estabilidade. Mais do que uma substituição de culturas, trata-se de uma adaptação inteligente, que alia produtividade, preservação e inovação no uso da terra.
Fonte: Canary Media