Chile desafia Noruega e vira potência global do salmão, com exportações bilionárias que transformam sua economia e conquistam mercados exigentes.
Poucos setores do agronegócio mundial cresceram de forma tão explosiva e estratégica quanto o de salmão no Chile. Em pouco mais de três décadas, o país andino transformou um recurso praticamente inexistente em uma das indústrias mais lucrativas do planeta, colocando-se lado a lado com a Noruega — até então líder absoluta do setor — no fornecimento global de salmão de cultivo. Hoje, o Chile responde por mais de 25% das exportações mundiais, abastece mercados exigentes como Estados Unidos, Japão, União Europeia e China, e movimenta uma cadeia econômica que já é vital não apenas para o comércio exterior, mas para a própria balança de pagamentos chilena.
De país periférico a potência global no salmão
Nos anos 1980, o Chile era um participante irrelevante no comércio internacional de pescados. A virada ocorreu com investimentos em tecnologia de aquicultura, transferência de know-how norueguês e apoio governamental para transformar os lagos do sul do país, especialmente nas regiões de Los Lagos, Aysén e Magallanes, em polos de cultivo intensivo.
A estratégia deu certo. Em apenas 40 anos, o Chile saltou de menos de 10 mil toneladas anuais para mais de 1 milhão de toneladas exportadas em 2023, tornando-se o segundo maior exportador mundial de salmão — atrás apenas da Noruega, que mantém uma fatia de 50% do mercado global.
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Esse crescimento não apenas mudou a geografia econômica chilena, mas também inseriu o país em um jogo geopolítico de alimentos de alto valor agregado, abrindo espaço em mesas sofisticadas e redes varejistas premium ao redor do mundo.
O salmão chileno conquista os mercados mais exigentes
Se nos primeiros anos a produção enfrentava críticas sobre qualidade e sustentabilidade, hoje o setor passou por transformações significativas. O salmão chileno é certificado por padrões internacionais de produção responsável, ganhou força em selos de sustentabilidade e já se tornou presença obrigatória em mercados de alto padrão.
Os Estados Unidos, por exemplo, importam do Chile mais de 60% de todo o salmão que consomem. No Japão, destino estratégico e altamente competitivo, o salmão chileno disputa espaço com a produção norueguesa e chegou a liderar em determinados anos. Na União Europeia, mercados como Espanha, França e Alemanha consolidaram-se como compradores-chave, enquanto na China as exportações dispararam na última década, impulsionadas pela ascensão da classe média.
Essa diversificação geográfica é fundamental: protege a indústria chilena contra flutuações de demanda e mostra como o país se adaptou às regras e exigências de cada mercado.
Indústria bilionária que sustenta o Chile
Os números impressionam. Segundo dados da SalmonChile, associação que reúne as principais empresas do setor, as exportações de salmão e truta alcançaram US$ 6,5 bilhões em 2023, o que representa cerca de 5% de todas as exportações chilenas e posiciona o produto como o segundo item mais vendido pelo país, atrás apenas do cobre.
A indústria emprega diretamente mais de 70 mil pessoas e indiretamente outras 20 mil, transformando cidades do sul chileno em polos industriais dinâmicos. O impacto social é evidente: em regiões como Puerto Montt, o setor reduziu índices de desemprego e se tornou o motor da economia local.
Esse peso econômico faz com que o salmão seja considerado, ao lado do cobre e da fruta fresca, um dos três pilares estratégicos da matriz exportadora chilena.
Rivalidade com a Noruega: inovação e desafios
O embate com a Noruega é inevitável. Enquanto os nórdicos mantêm liderança consolidada, o Chile se aproveita da sua posição geográfica — águas frias, correntes marítimas favoráveis e clima ideal — para ampliar competitividade. Além disso, o país diversificou seus destinos de exportação, enquanto a Noruega segue mais dependente da Europa.
Porém, o setor chileno também enfrenta desafios significativos: surtos de doenças como a anemia infecciosa do salmão (ISA), questionamentos ambientais sobre uso de antibióticos e impactos nos ecossistemas marinhos. Essas críticas levaram empresas a investirem pesado em inovação, com soluções como recintos fechados de cultivo, monitoramento via satélite e novas rações sustentáveis.
O resultado é que, apesar dos altos e baixos, o Chile mantém firme sua posição como principal concorrente da Noruega no domínio do mercado global.
O futuro do salmão chileno: sustentabilidade e novos mercados
A próxima etapa para o Chile será consolidar sua imagem de fornecedor sustentável e ampliar o valor agregado da sua produção. Em vez de focar apenas em volume, empresas apostam em cortes premium, produtos defumados e até salmão com certificação de origem para atender consumidores cada vez mais atentos à rastreabilidade.
Além disso, mercados emergentes como Índia, Sudeste Asiático e Oriente Médio aparecem como novas fronteiras de expansão. A China segue como prioridade, mas os produtores chilenos sabem que depender de um único destino pode ser arriscado.
No cenário geopolítico, o salmão chileno se tornou também instrumento de soft power: ao ocupar espaço nas cadeias globais de alimentos de luxo, o Chile ganhou relevância além do cobre, mostrando que pode ser protagonista em setores de alto valor agregado.
O salmão como símbolo da reinvenção chilena
O caso do salmão chileno é mais que uma história de sucesso comercial: é a prova de como um país pode reinventar sua economia, transformar regiões inteiras e desafiar gigantes globais com estratégia, inovação e persistência.
Hoje, cada bandeja de salmão chileno que chega a um supermercado em Tóquio, Nova York ou Paris carrega consigo não apenas proteína de qualidade, mas também um pedaço da trajetória de um país que ousou nadar contra a corrente e acabou construindo um dos setores mais dinâmicos do agronegócio mundial.
E a disputa está longe de acabar: enquanto a Noruega segue confiante em sua liderança, o Chile já deixou claro que não pretende ser apenas coadjuvante. No tabuleiro global da alimentação, o salmão chileno é — e continuará sendo — uma peça central.